PATRIMÓNIO EM PERIGO
"O perigo de derrocada das estruturas, nomeadamente considerando a sua proximidade com a linha férrea, seria, certamente real e motivo de preocupação pertinente. Todavia, não seria uma questão nova, nem tampouco irresolúvel."
Redigido por Rui Maio e Mário Pastor
15 abril 2019
A DEMOLIÇÃO DA "FÁBRICA VELHA" DA PAMPILHOSA
NA MEALHADA
Introdução
Este caso foi-nos dado a conhecer mais uma vez através das redes sociais, desta feita através da publicação de um vídeo no Facebook, partilhado por Francisco Queiroz e pelo Bloco de Esquerda da Mealhada, no passado dia 10 de abril. O vídeo registava a destruição de parte da fachada principal da filial da Companhia Cerâmica das Devesas, na Pampilhosa do Botão. Hoje, dia 13 de abril, o Jornal de Notícias informa que a demolição total das estruturas, que alegadamente ameaçavam ruir sobre a linha férrea, foi levada a cabo para permitir a construção de um parque de estacionamento.
Voltando um pouco atrás, de forma a que se perceba melhor a indignação dos muitos cidadãos que se vieram a manifestar publicamente nos últimos dias contra esta iniciativa da Câmara Municipal da Mealhada, e a relevância desta fábrica no desenvolvimento e industrialização desta região, é preciso recuar até à segunda metade do século XIX.
Apesar da abundância de matéria-prima, foi a abertura da estrada real n.º 10 até à Mealhada, em 1855, e a construção da linha de caminho-de-ferro no ano seguinte, nomeadamente a Linha da Beira Alta, que marcou o início da industrialização na Pampilhosa, passando a ser um importante nó de ligação quer entre a Linha do Norte e a Beira Alta, em 1883, quer entre o ramal Pampilhosa-Figueira da Foz. A abertura destas linhas fez despertar a atenção dos industriais nesta região, que já haviam identificado o enorme potencial dos campos baixos da Pampilhosa e os “barrios” da Bairrada (barro vermelho que formava grandes barreiros) ao nível de recursos naturais imprescindíveis para a instalação de indústrias de cerâmica. A abundância em matéria-prima e o excelente posicionamento em termos de transportes, iria assim transformar a Pampilhosa num dos maiores centros industriais de toda a região da Bairrada.
Foram vários os industriais que viram o potencial da Pampilhosa para o desenvolvimento da indústria da cerâmica. Em 1886, chegou de Vila Nova de Gaia o empresário António Almeida e Costa, para abrir a primeira grande unidade cerâmica na Pampilhosa, a filial da Cerâmica das Devesas de Vila Nova de Gaia. É exatamente esta cerâmica, conhecida entre os locais por “Fábrica Velha”, que foi agora alvo de demolição, mas já lá iremos. Importa antes disso referir que a indústria cerâmica na Pampilhosa não se resume apenas a este complexo. Em 1902, é fundada a “Fábrica Teixeira” (Fábrica de Cerâmica Mourão, Teixeira Lopes). No ano seguinte, é a vez da Fábrica Navarro entrar em funcionamento, com a particularidade de ter sido a primeira a ser fundada por um pampilhosense, Abel Godinho, em parceria com Ernesto Navarro.
A industrialização da Pampilhosa depressa se estendeu a outros setores, contando na segunda década do século XX com quinze fornos a cal, quatro importantes fábricas de serração, carpintarias, moagem, uma fábrica de resina, outra de produtos químicos, para além de oficinas de repicagem de limas e de fundição de metais, grandes armazéns de sarro, borras de vinho e adubos. Este crescimento foi naturalmente acompanhado por um enorme fluxo populacional para uma povoação modesta e eminentemente rural.
A Companhia Cerâmica das Devesas e a filial da Pampilhosa
Tal como referido anteriormente, em 1886, é inaugurada na Pampilhosa a filial da Companhia Cerâmica da Devesas, sediada em Vila Nova de Gaia, e que viria a ter uma importância primordial no panorama industrial português. A filial na Pampilhosa surgiu como resposta ao acelerado crescimento da fábrica em Vila Nova de Gaia, que viu o seu número de operários subir de 210 para 700, entre 1881 e 1889. Em 1901, a filial viria a sofrer as primeiras alterações, nomeadamente através da instalação de um depósito e mostruário com secção de vendas. Apesar da fábrica em Vila Nova de Gaia ter produzido cerâmica para a construção, decoração, saneamento, produtos de grés e estuque, trabalhos em ferro fundido e forjado, e estatuária, a filial da Pampilhosa apenas fabricou produtos feitos à base de cerâmica vermelha, refratária e grés, nomeadamente para o setor da construção. Foi José Joaquim Teixeira Lopes, um dos fundadores da Companhia Cerâmica das Devesas e filho do escultor António Teixeira Lopes, que introduziu e difundiu a telha “Marselha” a nível nacional. Chegaram a ser produzidas na Pampilhosa cerca de 5 mil telhas e 15 mil tijolos por hora, muitas dessas telhas continuam a fazer parte da paisagem do edificado, um pouco por todo o país.
Por volta de 1903, surgiram dois novos administradores da Companhia Cerâmica das Devesas, colmatando assim a saída dos sócios fundadores. Dez anos depois, parte da fábrica das Devesas é consumida pelo fogo. A decadência do complexo fabril acentua-se em 1915, com a morte de um dos fundadores, António Almeida da Costa. Incapazes de reverter este processo, a fábrica viria a fechar. Só nos anos vinte é que a fábrica tomaria novo fôlego sob a administração de Raul Mendes de Carvalho. Na filial da Pampilhosa foi colocado o seu filho, Alberto Mendes de Carvalho, ainda que sem a capacidade de inovação de outrora, nomeadamente no que diz respeito à criação artística. Por isso, a Companhia Cerâmica das Devesas concentrou-se na produção de produtos utilitários de grés, a telha e o tijolo (sobretudo o refratário, aplicado à indústria) e algum azulejo. Nesta época, a Companhia viria a privilegiar a filial da Pampilhosa, pois a produção era manifestamente mais barata dada a abundância de matéria-prima e a proximidade entre do local de recolha e o complexo fabril. Na Pampilhosa eram produzidos, sob esta administração, telha e tijolo, acessórios para telha, tijolos refratários, canalizações e artigos sanitários em grés. Alguma maquinaria foi transferida para aqui, o forno contínuo era muito utilizado e foram adquiridas novas máquinas nas décadas de1940 e 1950. Na década de 1940, a filial da Pampilhosa empregava cerca de 150 trabalhadores. A introdução de maquinaria (italiana e nacional, provenientes da metalúrgica Costa Néry, de Torres Novas) permitiu aumentar a capacidade de produção da fábrica reduzindo o número de trabalhadores para um terço. No topo da hierarquia estavam os diretores, seguidos pelos escriturários (guarda livros), encarregados e operários.
Em 1974 surge um projeto de ampliação e alongamento do forno contínuo de chama móvel tipo Hoffmann, assim como para instalação de secagem artificial. Na memória descritiva deste projeto aparece a descrição do processo de fabrico:
“Os barros, retirados dos próprios barreiros da fábrica, depois de descarregados passavam para um desterroador, caindo num transportador que os levava a um laminador donde vão para um remolhador. Depois deste tratamento, que é chamado "pré-laboração", os barros são conduzidos por meio de dois transportadores para uma zona de armazém anexa, onde são espalhados e armazenados, tarefa esta designada de "ensilagem". Depois das semanas de repouso, são retomados com uma pá carregadora de pneus até á bateria de produção, onde são descarregados no doseador linear. Do doseador estes lotes de barro passam a um remolhador-amassador, a um laminador e entram na fieira, onde depois de passarem por grelhas, são submetidos á ação de vácuo, saindo depois pelo bocal que molda o filão no formato desejado. O filão é então cortado na respetiva mesa de corte. Depois de secos, os produtos são levados mecanicamente para o forno e arrumados no seu interior ("enforma"). Após os produtos estarem cozidos, são transportados para o parque ("desenforma").”
Apesar deste novo fôlego, a filial da Pampilhosa acabaria por encerrar na década de 80, por volta de 1985-86.
Acontecimentos recentes sob o testemunho de Francisco Queiroz
Após ter tomado conhecimento do início dos trabalhos de demolição da Fábrica Velha, Francisco Queiro, historiador, publicou, no dia 10 de abril de 2019, o seguinte testemunho no Facebook.
FQ: Há mais de vinte anos que recolho elementos históricos sobre esta fábrica, que me habituei a ver: primeiro como utilizador do comboio, e depois em algumas incursões no seu interior para fazer registo do existente. A imponência da fachada principal aliava-se ao seu carácter de mostruário, com vários azulejos combinados de modo invulgar e cada vão de expedição ostentando um modelo de platibanda diferente. Numa das viagens de comboio que fazia com certa regularidade para Coimbra, talvez em 1998 ou 1999, quando a fábrica já estava abandonada, quem estava sentado à minha frente (e que se notava não ser utilizador habitual do comboio), não pôde evitar lançar a pergunta: "que palácio é este?". Confesso que só percebi o alcance da pergunta quando, alguns anos depois, assisti ao diálogo entre um casal jovem - se bem me lembro, de franceses. Viajavam também à minha frente e questionavam-se que edifício tão interessante era aquele. Aí percebi que não era preciso ser um estudioso da área da cerâmica arquitetónica e da azulejaria para reconhecer importância ao edifício que está a ser demolido enquanto aqui escrevo estas linhas. Poder-se-ia pensar que até o Município da Mealhada tinha o mesmo entendimento, até porque adquiriu a antiga fábrica para musealizar a sua parte mais antiga e construir um parque de estacionamento de apoio à estação nos terrenos em redor.
De facto, esta intenção foi tornada pública pela própria Câmara Municipal da Mealhada, através de uma notícia publicada na sua página oficial no dia 12 de setembro de 2013, transcrita em baixo (ver aqui).
FQ: A Câmara Municipal da Mealhada vai avançar com a recuperação das fachadas do edifício mais emblemático e representativo da Cerâmica das Devesas, bem como com a demolição de alguns edifícios dessa fábrica que se encontram em ruína. Uma obra complexa, que envolve técnicas e processos de demolição para as quais a autarquia não tem habilitações, tendo por isso solicitado a elaboração do projeto ao ITeCons - Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico em Ciências da Construção da Universidade de Coimbra. A assessoria e elaboração do projeto terá um custo de 16.450 euros + IVA e um prazo de execução de 60 dias.
Voltando ao testemunho de Francisco Queiroz...
FQ: Sete anos depois, e apesar de termos em Portugal uma lei que protege as fachadas com azulejos quando há valor patrimonial subjacente - o que neste caso era mais do que óbvio - eis que aquilo que iria ser musealizado acaba destruído de forma gratuita. Como é possível que isto aconteça? Quem ordenou? Quem autorizou? É preciso apurar responsabilidades, pois muito provavelmente trata-se de uma demolição ilegal, atendendo a que já passaram quase dois anos desde a entrada em vigor da lei a que aludi.
FQ: O dano é irreversível e está feito: uma das últimas fábricas históricas do centro do país e que foi a mais importante instituição da Pampilhosa, recebeu a estocada final, depois de numa longa agonia. Nem sequer foi facilitada a remoção dos ornatos e azulejos para o núcleo museológico do GEDEPA, associação de defesa do Património que tem vindo a reunir algum espólio de cerâmica produzida da Pampilhosa, visto que os poderes públicos mostram-se continuamente incapazes de salvaguardar este Património Industrial único que, ao mesmo tempo, se liga à História da nossa azulejaria. Peço que partilhem e, se estiverem perto do local, façam o registo para memória futura. Se mais puderem fazer, por favor façam.
No dia 11 de abril de 2019, Francisco Queiroz volta a recorrer às redes sociais para partilhar a notícia de que, alegadamente a demolição iniciada no dia anterior, teria arrasado por completo o edifício da Fábrica Velha.
FQ: No seguimento do que partilhei ontem, e porque "um mal nunca vem só", recebi hoje a notícia de que TODO o antigo edifício da fábrica de cerâmica da Pampilhosa, sucursal da Fábrica das Devesas, foi arrasado. As fotos que partilhei ontem mostrando ainda o corpo central estão desatualizadas. Logo à partida, tudo aponta para que se trate de um caso gritante de infração à lei de agosto de 2017 que protege as fachadas com azulejos de valor patrimonial. Porém, este caso é bem mais grave e ultrapassa todos os limites: além do mostruário de platibandas e balaústres (o único que ainda existia no país), dos ornatos em barro vermelho, dos azulejos, das peças de remate, algumas das quais raras, desapareceu também o portão de entrada para o mostruário de azulejos, o que ainda restava do mostruário de azulejos, e por fim também o relevo de José Joaquim Teixeira Lopes com a alegoria à indústria, ao comércio e às artes cerâmicas, que aqui mostro numa fotografia a publicar este ano num livro sobre Património com origem em Gaia existente no mundo.
FQ: A fábrica que deu origem ao quarto maior núcleo de produção cerâmica do país (fora Lisboa, Porto/Gaia e Caldas da Rainha), dinamizando a Pampilhosa ao ponto de literalmente a "colocar no mapa", foi nestes dois últimos dias arrasada por iniciativa do seu proprietário. Se isto não é nada de novo, passa a ser a partir do momento em que o proprietário é o próprio Município, que era quem em primeiro lugar deveria proteger e valorizar esta importante memória que extravasava a importância concelhia. Aliás, o Município adquiriu a fábrica alegadamente com tal finalidade. Deveria ter sido logo classificada como imóvel de interesse municipal, escoradas as suas paredes e objeto de um projeto integrado que lhe desse novos usos e a valorizasse.
FQ: Como foi então possível que a parte mais antiga e mais interessante da fábrica tenha sido demolida? Ainda estou para perceber como, de tão absurdo e inacreditável que este caso é. Sabemos que o Património é frágil, em muitos casos corre riscos de todo o tipo, mas aqui houve destruição deliberada, promovida e/ou autorizada por quem adquiriu a fábrica com a intenção de a valorizar. Aliás, na ata de vereação de 26 de Dezembro de 2013, à qual tive acesso, ordena-se a inventariação dos bens móveis existentes na antiga fábrica, o seu acondicionamento, e o acautelamento das fachadas consideradas de interesse. Conclui-se, pois, que nem o que a própria Câmara decidiu no passado foi cumprido. E não foi cumprido apenas por incúria, mas de modo propositado, visto que a demolição teve custos - por certo pagos pelos munícipes - e foi feita de modo a impedir que as peças de ornato subsistentes fossem salvaguardadas.
FQ: Há claros indícios de dolo, além do que já referi acima quanto à infração da lei de Agosto de 2017. Há, pois, que se apurar responsabilidades. Eu sou apenas um mero historiador de arte que viu desaparecer um objeto de estudo e de atenção dos seus últimos 25 anos de pesquisa. Vivo longe da Pampilhosa e não conheço os seus meandros políticos e sociais. Portanto, quem puder, por favor, que me responda, a mim e a todos os muitos que se interessam por esta questão (e pode responder em privado se não quiser expor-se, pois já percebi que, sobre este caso, há pessoas que têm receio de falar abertamente): Quem teve a iniciativa desta demolição? Quem a aprovou? Quanto? Quem a executou? Quanto custou? Qual a finalidade última desta demolição?
FQ: Post-Scriptum: meia hora depois de ter publicado isto fui informado de que a parte do edifício onde se encontra o relevo da imagem ainda existe. De qualquer modo, as perguntas mantêm-se e ainda não têm resposta. Aproveito para esclarecer que, além do edifício demolido, outras partes da antiga fábrica têm muito interesse em termos históricos e patrimoniais, nomeadamente o forno contínuo, que ainda é o original, da década de 1880, a chaminé, a oficina de serralharia, os secadouros, o túnel sob a estrada de acesso às antigas barreiras, entre outras estruturas. Estará tudo isto que refiro acautelado? Note-se que nada do que menciono é incompatível com novos usos para o complexo fabril das Devesas na Pampilhosa.
No dia 13 de abril de 2019, o Jornal de Notícias noticiava o sucedido, indicando que toda a estrutura foi já demolida, para dar lugar a um parque de estacionamento...
Testemunho e esclarecimentos do GEDEPA Pampilhosa
Também o Grupo Etnográfico de Defesa do Património e Ambiente (GEDEPA) da Pampilhosa recorreu às redes sociais no dia 11 de abril de 2019, para tecer alguns comentários e esclarecimentos relativos a este caso.
GEDEPA: Com o intuito de mantermos os nossos Associados e Amigos informados sobre este assunto, atualizamos a nossa publicação original, mantendo-a ainda assim, com os seguintes esclarecimentos/apontamentos. A Direção do GEDEPA, preocupada com o desenrolar da situação, entrou em contacto com o Sr. Presidente da Câmara na mesma altura da publicação da primeira nota. Assim:
- O executivo da Câmara foi alertado pela Infraestruturas de Portugal (IP) sobre o perigo iminente de derrocada de parte da parede da Fábrica, que poderia precipitar-se sobre a linha férrea, ou, na pior das hipóteses, sobre uma composição e/ou transeuntes que habitualmente passam ali.
- Por este motivo, o executivo decidiu acionar, prontamente e em colaboração com a IP, que realizou os trabalhos, os meios necessários para a demolição daquela parte.
- Os trabalhos foram realizados tendo em conta o património existente, não colocando em risco mais nenhuma estrutura.
- O restante edifício irá ser analisado por pessoal entendido na matéria. Nesse sentido, é vontade do executivo manter as fachadas mais emblemáticas.
- O GEDEPA mostrou-se inteiramente à disposição para a visita ao local e para a análise e recolha de peças que porventura sejam de interesse e que possam ser alvo de preservação e manutenção cuidada nos nossos museus. O executivo mostrou igualmente a sua disponibilidade, pelo que irá acompanhar a nossa equipa para a realização desse trabalho.
GEDEPA: Soubemos da demolição de mais um bastião do património pampilhosense, a Fábrica das Devesas, levada a cabo pelo Município da Mealhada, proprietário do edifício. Olhamos com repúdio para a devastação que fica e para a falta de sensibilidade em preservar o que é dos nossos Avós. A "Fábrica Velha", também assim conhecida, era a mais antiga da indústria do barro. O GEDEPA, como Grupo de Defesa do Património, está disponível para dialogar com o proprietário, pois será de grande importância recolher e salvaguardar algumas peças únicas ali existentes, como, aliás, já o fizemos anteriormente, sem qualquer contrapartida. Confiamos na aposta no futuro, sabíamos que o edifício já não garantia a segurança de pessoas, mas queremos, sempre, orgulharmo-nos do nosso passado. E a salvaguarda de muitas das peças destas fábricas, como o nosso moringue, é fundamental para enaltecer esse orgulho e, também, respeitar os nossos antepassados.
No dia 12 de abril de 2019, o GEDEPA Pampilhosa, tornou público o seu parecer em relação a este caso, depois de ter sido convidada a visitar o imóvel em questão.
GEDEPA: A Direção do GEDEPA, convidada a visitar o espaço da Fábrica das Devesas, vem manifestar, publicamente e por este meio, a sua opinião relativamente à demolição do edifício:
- É no entender desta Direção que, de facto, existe perigo de derrocada da fachada principal do edifício, ainda de pé. Sabemos que algo poderia ter sido feito, mas pouco, porquanto foi-nos referido que é impossível prever a instalação de andaimes, escoras ou qualquer material de suporte frente à fachada, pois é necessário existir um espaço de 2,50 metros para cada lado da catenária. O que não se observa, neste caso. Mas remetemos os estudos a quem de direito os deve fazer na medida em que não podemos efetuar tal avaliação.
- Verificámos (ou mais precisamente: foi-nos dito pelo executivo) que a Câmara Municipal da Mealhada (CMM) se colocou à disposição para colaborar com as Infraestruturas de Portugal (IP) para resolver da melhor maneira este problema. E, apesar de lamentarmos a destruição de algumas peças, colocamos sempre a segurança das pessoas primeiro. E a única possibilidade será, na nossa opinião, a demolição imediata daquelas paredes, se não houver mais alternativas.
- Verificámos ainda que no interior das instalações existem algumas peças que serão, a seu tempo, devidamente recolhidas, estando algumas já no estaleiro da CMM para a sua salvaguarda. Porquanto, não verificámos quaisquer peças de valor patrimonial de relevo. São moldes, telhas com respiradouro e outras peças em barro e em grés.
- Finalmente, sugerimos aos serviços da CMM que, se de facto a fachada tiver de ser demolida, as peças que encimam a mesma deveriam ser recolhidas e, depois, utilizadas no melhoramento futuro do espaço, construindo uma espécie de memorial. O melhoramento do espaço será realizado aquando das obras de requalificação da Estação, por parte do IP, e, então, este espaço será igualmente requalificado pela CMM como zona de estacionamento e apoio à estação, que irá deslocar-se para sul, junto àquele espaço. Neste sentido, era de interesse que o embelezamento da zona contemplasse estas e outras peças que trouxessem à memória a importância das empresas do barro no desenvolvimento industrial da localidade nos primórdios do século XX.
O parecer da YOCOCU Portugal
O perigo de derrocada das estruturas, nomeadamente considerando a sua proximidade com a linha férrea, seria, certamente real e motivo de preocupação pertinente. Todavia, não seria uma questão nova, nem tampouco irresolúvel. Mesmo sem ter tido oportunidade de visitar o imóvel, as poucas imagens divulgadas não parecem revelar grandes entraves técnicos à escoragem da fachada pelo interior de forma a estabilizar a fachada. Há vários anos que a autarquia, tanto o atual executivo, como o anterior, teve as oportunidades para poder realizar diagnósticos preventivos e procurar encontrar soluções de, pelo menos, escoragem da fachada que pudessem ter evitado esta perda irreparável, mesmo que a visão original passasse por uma simples conservação das fachadas (algo já de si redutor e criticável à luz das atuais premissas de conservação e restauro patrimonial), nada poderia ser mais lesivo, ofensivo e irresponsável do que a total destruição a que assistimos hoje. A construção no local de um parque de estacionamento, bem como as declarações do presidente do município, Rui Marqueiro, que, em declarações ao Jornal de Notícias, diz não considerar a fábrica como património, revelam bem a falta de sensibilização para a valorização da memória histórica industrial da região, da sua herança arquitetónica e arqueológica.
As questões que se levantam hoje, quando o irremediável foi já feito, são: quais serão as responsabilidades para os autores deste crime patrimonial? Até quando estarão as comunidades e o património à mercê dos impulsos irrefletidos dos poderes públicos?
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