• HOME
  • SOBRE NÓS
  • O QUE FAZEMOS
    • percursos que importam partilhar
    • PATRIMÓNIO EM PERIGO
    • SEMINÁRIO
    • VISITA GUIADA PELA MARGINAL DO DOURO
    • WEBINAR PATRIMÓNIO PARA TODOS
    • LIGAÇÕES ÚTEIS
  • FAZ-TE SÓCIO
  • CONTACTA-NOS











PERCURSOS QUE IMPORTAM PARTILHAR



"O caminho faz-se caminhando e tem de ser obra dos próprios caminheiros" Luis Raposo



Luis Raposo
3 janeiro 2019



Especialista em Pré-História Antiga (Paleolítico). Presidente do ICOM Europa (desde 2016; Presidente do ICOM Portugal entre 2009 e 2014). Vice-Presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses (desde 2015). Membro do Comité de Parte Interessadas (“stakeholders”) do Ano Europeu do Património Cultural. Arqueólogo do Museu Nacional de Arqueologia (desde 1980; Director entre 1996 e 2012). Professor Convidado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (entre 2005 e 2014). Membro de júris de provas de pós-graduação em Portugal e no estrangeiro. Autor ou co-autor, assessor científico ou comissário executivo em diversas exposições de âmbito nacional e internacional. Co-autor de manuais universitários e obras de síntese nos domínios da Museologia, da Arqueologia e da História. Autor de bibliografia de especialidade sobre a Pré-História, Arqueologia e Museologia, publicada em monografias e revistas da especialidade nacionais e estrangeiras (cerca de 250 títulos entre 1972 e 2018).


Como surgiu o seu interesse pela arqueologia?


LR: Surgiu muito cedo, teria eu 12 ou 13 anos, quando no Liceu D. João de Castro (em Lisboa) tive um professor de História que era também arqueólogo e jornalista, João Salvado. Depois participei na criação de um Núcleo de Arqueologia no Liceu. Mais tarde, no final do Liceu, comecei a conviver com colegas mais velhos, todos universitários, e que tinham criado, sob impulso de Vítor Oliveira Jorge, um Grupo para o Estudo do Paleolítico Português (GEPP), a que o então director do Museu Nacional de Arqueologia (e professor da Faculdade de Letras de Lisboa), D. Fernando de Almeida, cedeu instalações no MNA. Foi a primeira vez que jovens puderam começar a frequentar e trabalhar (como meros colaboradores, já se vê) naquele museu. Desde aí até hoje tenho sempre mantido esse gosto especial pelos estudos de Paleolítico.


Quem foram as pessoas e/ou profissionais que mais o inspiraram a prosseguir carreira como arqueólogo?


LR: Já referi alguns antes e devo dizer que, na minha geração, não tive infelizmente verdadeiros mestres na universidade. Grande parte do que cientificamente fui fazendo foi forjado entre nós próprios, membros do GEPP, ou “geração do Tejo”, como viemos a ser chamados porque passámos grande parte das nossas vidas no Tejo, seja no estudo da arte rupestre (que descobrimos), seja no estudo do Paleolítico (que também descobrimos porque nada se conhecia antes nessa região do alto Tejo português, em Vila Velha de Ródão). Mas, pensando bem, sim, houve quem me influenciasse muitíssimo, para além do circuito académico formal: Eduardo da Cunha Serrão, Georges Zbyszewski, Octávio da veiga Ferreira… e depois estrangeiros, como André Leroi-Gourhan, François e Sonneville Bordes ou sobretudo Jacques Tixier. Como se vê, todos da chamada “escola francesa de Pré-História”. O contacto com o mundo anglo-saxónico veio mais tarde e apenas por meio dos livros.


Que livros ou outros documentos de livre acesso considera de leitura obrigatória para um arqueólogo?


LR: É muito difícil responder porque a arqueologia é um continente muito vasto e porque hesitaria entre obras actuais e obras de todos os tempos. Mas arrisco ir para estas últimas, porque a vida me fez aprender que entre o tempo muito curto da nossa experiência empírica (geracional tipicamente) e o tempo da eternidade (religioso tipicamente), o tempo da ciência pouco mais alcança do que que o meio século e encontra-se aliás muito espartilhado por modas e expressões linguísticas dominantes. Quem hoje lê trabalhos de há 200, 100 ou até 50 anos apenas? Quem lê francês, língua em que me formei? Ora, tendo em conta este impulso de procurar abrir caminhos novos com textos antigos, mas aceitando a ditadura do inglês, sugeria o seguinte:


Começo por um dos livros mais clássicos de todos os tempos, felizmente traduzido para português. De V. Gordon Childe (1976) – Para uma Recuperação do Passado, Livraria Bertrand (ed portuguesa de: Piecing Together the Past the Interpretation of Archaeological Data, Routledge and Kegan Paul, London, 1956). - Depois um dos autores americanos (mas pouco…) que mais me impressionou. De Bruce Trigger (1989) – A History of Archaeological Thought, Cambridge University Press (existe tradução em castelhano). Mas para quem queira deste autor referencial deliciar-se com ensaios ainda mais estimulantes, sugiro: Bruce Trigger (1978) – Time and traditions. Essays in archaeological interpretation. Edinburgh University Press. Vão ver que não se arrependerão e ficarão admirados como foi possível terem ignorado estes ensaios, e talvez este autor, até hoje. Disponível em: https://ykitereviews.ml/ebook/open-source-books-download-time-and-traditions-essays-in-archaeological-interpretation-pdf-by-bruce-g-trigger-0231045484.html.


Não quero também deixar de fazer uma provocação: um artigo de revista que nos meus primeiros anos de leccionação na Universidade era de leitura obrigatória no início do curso, sendo debatido colectivamente em sala de aula; sugiro que leiam para verem como se reveem neste retrato da arqueologia americana de há cinquenta anos, que afinal tem tanto de actual. De Kent V. Flannery (1982) – “The Golden Marshalltown: A Parable for the Archeology of the 1980s”, “American Anthropologist”, New Series, Vol. 84, No. 2, pp. 265-278 Disponível em: http://plaza.ufl.edu/akathy/(1982)%20Flannery%20-%20Golden%20Marshalltown.pdf.


Finalmente e embora tenha prometido não entrar pelo francês, não resisto, para quem se interesse por Paleolítico, a lançar o repto de ler e estudar com afinco as lições de François Bordes (1967) – Leçons sur le Paléolithique, 1 : Notions de géologie quaternaire ; 2 : Paléolithique en Europe ; 3 : Le Paléolithique hors d'Europe. Ed. CNRS. E quem não quiser ir tão longe, que procure e leia ao menos, do mesmo autor, o Le Paléolithique dans le monde, Hachette, 1968.


Quais as maiores valências que um jovem profissional deve possuir para vingar na arqueologia? O que para si faz um bom arqueólogo hoje em dia? Que conselhos daria a um jovem profissional que ambicione seguir carreira na área?


LR: Como em tudo mais na vida, maiores valências não são científicas, mas humanas. E dentro do campo profissional, são éticas, antes de serem técnicas (para o entender basta ler o ensaio de Ken Flannery acima citado, uma alocução à reunião magna dos arqueólogos americanos nessa longínquo ano em que foi escrita). Como dizia Sir Mortimer Wheeler, a “a Arqueologia morta [sem alma] é o pó mais seco que pode soprar”. Mas depois, claro que o domínio de uma especialidade dentro da arqueologia é o caminho a serguir. Fazer porventura pouco, mas bem, é o que distingue. E sobretudo saber pensar. Cito outro grande mestre, André Leroi-Gourhan, que dizia que o arqueólogo só é verdadeiramente grande quando, face a descobertas extraordinárias, “tiver a coragem de se sentar e acender um cigarro para reflectir” (hoje talvez se retirasse o cigarro, mas manter-se-ia certamente o parar para pensar).


Quais os projetos em que esteve envolvido profissionalmente de que mais se orgulha de ter participado?


LR: No plano do trabalho de campo, as escavações que dirigi em sítios do Paleolítico de Vila velha de Ródão, especialmente Vilas Ruivas e Foz do Enxarrique; ou as prospecções e sondagens tanto no litoral alentejano (Palheirões do Alegra) como no vale do Guadiana. No plano do trabalho de gabinete, uma vida dedicada ao Museu Nacional de Arqueologia, de que fui director durante de 16 anos, apesar de tudo um episódio numa carreira de cerca de quatro décadas.


Quais os grandes desafios que a defesa do património enfrenta nos dias de hoje, comparativamente com os anos oitenta? Quais são para si as maiores ameaças/perigos que poderão colocar em risco a preservação do património cultural nos dias de hoje?


LR: Seguramente que a destruição da paisagem em escalas muito maiores do que jamais no passado e tudo o que tal origina, tanto em matéria de delapidação patrimonial como em matéria de nova sociologia da arqueologia. Tenho dito em várias ocasiões que me regozijo pelo facto de onde antes havia “notáveis” (apenas alguns, que se conheciam e estabeleciam entre todos as relações de amor-ódio típicas dos meios pequenos), hoje há “gente”, pessoas comuns que nem sequer já se conhecem pessoalmente na maior parte dos casos. Recordo também conversa que tive um dia com Jorge Alarcão (publicada na revista “Vértice”) na qual, à pergunta sobre o que pensava ele sobe as arqueologia empresarial, que ainda não existia em Portugal, mas era já comum noutros países, a começar pelo Reino Unido, e eu via como inevitável e até positiva, ele afirmava de de modo nenhum, porque a arqueologia deveria ser sempre um domínio científico e de entrega cidadã, incompatível com o mercantilismo empresarial. Ora, hoje temos muitíssimo mais actividade arqueológica em Portugal realizada debaixo da óptica empresarial e da minimização de impactes do que obedecendo a programação científica. E creio que não voltaremos atrás. Os desafios são por isso muitíssimo maiores e muitíssimo mais exigentes – o que em si mesmo não me incomoda. O que, sim, me incomoda e até preocupa é a aparente diminuição do sentido ético e cívico na realização da arqueologia e o enfraquecimento da posição do arqueólogo. Um exemplo: quando entre arqueólogo ou até empresa de arqueologia e os serviços do Estado, que actuam em nome do bem comum, se aceita a interposição do chamado “dono da obra”, podendo este filtrar, no limite barrar, a divulgação da informação obtida, isso preocupa-me imenso e entendo ser urgente que tanto as associações profissionais do sector, como os serviços do Estado actuam em defesa da independência técnica dos arqueólogos e em sua protecção quando necessário.


Concorda que existe uma clara falta de interesse da população mais jovem e dos jovens profissionais em geral, para os assuntos do património e do associativismo? Se sim, o que pode ser feito para tentar inverter esta situação?


LR: Sim e não. Sim, porque existe efectivamente uma enorme falta de apego da população portuguesa à efectiva acção em defesa do património cultural. Trata-se de algo muitíssimo decepcionante, sobretudo depois de termos tido a ilusão de que com a democracia haveria um caminho sempre em crescendo no sentido da maior consciência cívica. Confesso que vivo quase amarguradamente este facto. Não, porque a realidade acabada de reconhecer não se restringe aos jovens, nem tenho elementos que indique que é maior neste segmento da população. O que, sim, sinto muitas vezes nos jovens actuais é um maior espírito acomodatício e um enclausuramento excessivo nos respectivos territórios de especialidade. Compreendo que assim seja: o ingresso na vida profissional de arqueologia ou museus é actualmente incomparavelmente mais difícil para os jovens do que foi para a minha geração, que beneficiou da sorte deter vivido uma revolução democrática, que desbloqueou impasses provincianos de décadas e abriu horizontes e oportunidades nunca havidas antes. E confesso que não sei “como dar a volta” – senão pela luta, mesmo que coisas que no presente pareçam utópicas. Mas não será certamente quem está instalado na vida e próximo da reforma que pode apontar o caminho a quem quer que seja. O caminho faz-se caminhando e tem de ser obra dos próprios caminheiros.



Campus Universitário de Santiago

Departamento de Engenharia Civil

3810-193 Aveiro


NIF: 515141275

geral@yococuportugal.pt

+351 234 370 049



Notícias

​Percursos que importam partilhar

Património em Perigo

Seminário

Ligações Úteis



HOME

SOBRE NÓS

O QUE FAZEMOS

FAZ-TE SÓCIO

CONTACTA-NOS