Quem está habituado a ter os monumentos e museus como segunda casa, como é o meu caso, depara-se muitas vezes com as plaquinhas das peças em falta, a indicar que estão em restauro, ou, com sorte, até vemos os restauradores-conservadores a trabalharem no local. Mas entre essa ideia do que é o restauro, a pegar num pincel e saber que força aplicar e a posicionar correctamente a mão, vai uma grande distância.
Foram ensinamentos teóricos e práticos como este que marcaram o curso de restauro “Traditional handicraft techniques”, organizado pela European Heritage Volunteers, em parceria com a Deutsches Fachwerkzentrum, em Quedlinburg, Alemanha.
O curso, que decorreu entre os dias 29 de Novembro a 9 de Dezembro de 2018, dividiu-se em dois ciclos de aprendizagem, dependentes do interesse e da disponibilidade dos participantes. O primeiro ciclo incidiu sobre o restauro de estruturas tradicionais em madeira, típicas da construção alemã. Nos primeiros dias, o grupo esteve na oficina a ganhar conhecimento teórico e prático sobre as ferramentas, os tipos de encaixe, os materiais e a ver exemplos de restauro realizados anteriormente. Já o segundo ciclo teve como foco o restauro de superfícies decorativas históricas. Neste caso, os primeiros dias foram passados no atelier, onde aprendemos conteúdos sobre materiais orgânicos, tais como cola feita à base de ossos de animais, ou tinta feita com cerveja. Também nos foram ensinadas algumas técnicas de pintura como pintar uma superfície dando a impressão de ser madeira.
Nos restantes dias fomos para os edifícios em intervenção. Existindo várias tarefas a decorrer em simultâneo, a cada participante foi dada a oportunidade de escolher e perceber as diferenças entre o restauro na oficina ou in-situ. E é nestes momentos que nos damos conta que uma oficina pode ser pequenina, mas permite-nos trabalhar de forma protegida. Ao passo que restaurar um edifício enquanto neva (o curso decorreu em Dezembro) torna a logística complicada mas não deixa de ser uma sensação incrível.
Participei na limpeza de um tecto de uma casa construída no final do século XVII. O que parece ser uma tarefa de limpeza sem fim, de repente, torna-se numa caça ao tesouro, com as caras dos anjos e os padrões de pintura a aparecer, e nós numa busca interminável pela assinatura do artista. No outro edifício, existiam outras atividades a decorrer, desde a criação de rolos de argamassa para revestimento das paredes, o restauro de portas e janelas de madeira antiga, a construção uma escada com o traço da anterior e, inclusive, o restauro de uma porta com tintas orgânicas. Aqui, a cereja no topo do bolo foi terminar pormenores da porta com folha de ouro, uma técnica incrível.
No meio destes desafios técnicos, o ambiente fica ainda mais cativante com a troca de experiências e perspectivas de restauro de cada país entre os participantes. Até a confusão de estarmos a falar no mesmo, mas cada um só saber a palavra na sua língua se torna divertido. Tanto eu como as minhas colegas portuguesas acrescentamos palavras como cal, espátula e formão ao nosso dicionário português-inglês-(alemão).
Os técnicos locais foram fantásticos e demonstraram uma enorme paciência ao longo de todo o curso. Não deixa de ser uma tarefa louvável ensinar o que já se sabe e repetir vezes sem conta, desperdiçando materiais para demonstrações ao mesmo tempo que nos fazem sentir bem por estarmos a contribuir para o trabalho deles e a acelerar o ritmo do processo de restauro.
Nestas semanas, ainda tivemos direito a algumas visitas de estudo, incluindo a telhados. Visitar Quedlinburg e o mercado de Natal é bonito, mas visitar o interior da cobertura da catedral de uma cidade património mundial é simplesmente inesquecível. Foi fantástico perceber como o restauro é uma actividade sustentável e comunitária. Recomendo desde já, a todos os interessados para participarem na próxima edição deste curso, numa data que irá ser anunciada nos próximos meses. Por enquanto, deixo a tarefa nas mãos sábias dos conservadores-restauradores com a esperança de aprender mais sobre esta profissão nos próximos tempos.